Reflexão do Evangelho do 28° Domingo do Tempo Comum - Ano B - Marcos - 2024
Para muitos, o sentido da vida consiste em ter, lucrar, acumular. Para esses, não basta o suficiente para uma vida digna para si e para sua família, para agora e para a velhice. A Liturgia deste 28° Domingo do Tempo Comum, Ano B, é um apelo a colocarmos cada coisa em seu devido lugar: Deus em primeiro lugar; os outros, imagens de Deus, no nosso mesmo nível; as coisas a serviço de todos. Estamos dispostos a rever nossa relação com os bens materiais?
EVANGELHO
Vende tudo o que tens e segue-me!
Proclamação do Evangelho de Jesus Cristo segundo Marcos 10,17-30
Naquele tempo,
17 quando Jesus saiu a caminhar, veio alguém correndo,
ajoelhou-se diante dele, e perguntou:
"Bom Mestre, que devo fazer para ganhar a vida eterna?"
18 Jesus disse:
"Por que me chamas de bom?
Só Deus é bom, e mais ninguém.
19 Tu conheces os mandamentos:
não matarás; não cometerás adultério; não roubarás;
não levantarás falso testemunho;
não prejudicarás ninguém;
honra teu pai e tua mãe!"
20 Ele respondeu: "Mestre, tudo isso
tenho observado desde a minha juventude".
21 Jesus olhou para ele com amor, e disse:
"Só uma coisa te falta:
vai, vende tudo o que tens e dá aos pobres,
e terás um tesouro no céu.
Depois vem e segue-me!"
22 Mas quando ele ouviu isso, ficou abatido
e foi embora cheio de tristeza,
porque era muito rico.
23 Jesus então olhou ao redor e disse aos discípulos:
"Como é difícil para os ricos entrar no Reino de Deus!"
24 Os discípulos se admiravam com estas palavras,
mas ele disse de novo:
"Meus filhos, como é difícil entrar no Reino de Deus!
25 É mais fácil um camelo passar pelo buraco de uma agulha
do que um rico entrar no Reino de Deus!"
26 Eles ficaram muito espantados ao ouvirem isso,
e perguntavam uns aos outros:
"Então, quem pode ser salvo?"
27 Jesus olhou para eles e disse:
"Para os homens isso é impossível, mas não para Deus.
Para Deus tudo é possível".
28 Pedro então começou a dizer-lhe:
"Eis que nós deixamos tudo e te seguimos".
29 Respondeu Jesus:
"Em verdade vos digo,
quem tiver deixado casa,
irmãos, irmãs, mãe, pai, filhos, campos, por causa de mim e do Evangelho,
30 receberá cem vezes mais agora, durante esta vida
— casa, irmãos, irmãs, mães, filhos e campos,
com perseguições —
e, no mundo futuro, a vida eterna.
Palavra da Salvação.
A SEMENTE NA TERRA - MC 10,17-30
O Evangelho de hoje esclarece que a prática da caridade é indispensável para herdar a vida eterna e revela que o apego à riqueza é grande impedimento para quem quer entrar no Reino de Deus! Este Evangelho impressiona! Primeiro, pelo desejo sincero de alguém que tem sede de eternidade. Sua pergunta é: "que farei para herdar a vida eterna?". Antes, porém, de responder à pergunta, Jesus ensina que "bom" é somente Deus. Quem ama o seu semelhante cumpriu o maior mandamento: o do amor! (cf. Mc 12,28-34; Jo 13,34-35; 1Jo 4,20-21).
- Que farei para herdar a vida eterna? É uma boa pergunta que todos os cristãos deveriam fazer. Mas o que vem a ser a vida eterna? A vida eterna não é algo que se herda, mas algo que se constrói e se conquista. Não é como uma herança de um bem material que passa de pai para filho. Cristo a alcançou doando-se totalmente por amor e quer dar, de graça, a vida eterna para todos, mas chegar a possuí-la implica em fazer uma opção de vida comprometida com o seu Reino de paz, justiça e amor, implica em ser bom, em praticar o bem. Aqui se trata de um bem inestimável, um tesouro no céu, que sobrevém pelo bom relacionamento com o outro. Portanto, podemos dizer que a vida eterna é dom de Deus e fruto do esforço humano.
- Os mandamentos: Esses mandamentos que Jesus recorda neste Evangelho se referem ao relacionamento com o próximo, ou seja, mandamentos com implicações sociais. É neste campo das relações com o próximo que o rico tem ocasião de falhar, devido à ganância de possuir. Embora o homem rico tenha observado os mandamentos desde sua juventude, seu diálogo com o Mestre comprova que faltou o amor, a capacidade de ser solidário e partilhar seus bens. A Lei deve ser interiorizada, gravada no coração, não somente como um dever, mas cumprida na liberdade e por amor. "A caridade é a plenitude da Lei" (Rm 13,10).
- Dar aos pobres para possuir um tesouro no céu: Jesus ensina tudo ao contrário do que ouvimos praticamente todos os dias ao nosso redor. Na matemática de Jesus, quem perde é quem ganha. Isso não é surpreendente? Uma importante e empolgante novidade! Uma nova proposta de vida assumida em benefício do pobre pode garantir a obtenção do bem supremo: a vida eterna. A pobreza é uma exigência evangélica. Seja uma pessoa rica, possuidora de muito bens, ou pobre, desprovida de bens materiais, todos são chamados a viverem a pobreza evangélica, que nada mais é que esvaziar-se de si mesmo e confiar em Deus, saber que tudo pertence a Ele. O próprio Jesus se fez pobre! Nasceu entre os pobres (cf. Lc 2,10-12), "sem ter onde reclinar a cabeça" (Mt 8,20; Lc 9,58) e ensinou que "sempre tereis os pobres convosco e, quando quiserdes, podeis fazer-lhes o bem" (Mc 14,7). Portanto, que não haja pobres entre vós, mas "abre a mão em favor do teu irmão" (Dt 15,11) deve ser um imperativo na vida do cristão.
- Vem e segue-me: O seguimento a Cristo é uma opção livre, mas exige renúncias (cf. Mc 8,34-36). Caminhar com Jesus, aprender dele para tornar-se discípulo missionário será sempre um desafio do fiel que se põe a caminho junto do Mestre.
- Era muito rico: A riqueza e a prosperidade na teologia judaica eram tidas como sinais de bênção de Deus. Jesus esclarece essa compreensão errônea e dá novo significado a essa crença, faz uma inversão, agora os pobres são bem-aventurados e os que possuem riquezas podem tornar-se amaldiçoados pelo próprio Deus se não assumirem a radicalidade do seguimento de Cristo (cf. Lc 6,20.24). É preciso tomar uma decisão: "Não podeis servir a Deus e ao dinheiro" (Mt 5,3-4; Lc 16,13).
- Uma coisa te falta: A atitude o homem rico revela que, mesmo tendo tudo, sendo muito rico, falta-lhe alguma coisa. É um dado antropológico e teológico o fato de que o ser humano, sendo finito, tem em seu ser o desejo ardente de eternidade: "Deus criou o homem para a imortalidade e o fez imagem e semelhança de sua própria natureza" (Sb 2,23). Nada pode preencher o lugar de Deus no coração humano. Deus, que é Infinito, criou-nos finitos, mas com aspiração transcendente, com ardente desejo de unir-se ao seu Criador. Recorda-nos Santo Agostinho: "nos criastes para Vós e o nosso coração está inquieto enquanto não repousar em Vós". Assim sendo, Jesus resgata o significado do "ser" e não do "ter" como fonte de verdadeira felicidade. É no serviço e na gratuidade que a vida do fiel pode tornar-se plena enquanto aspira pela vida eterna.
- Entrar no Reino de Deus: O chamado de Jesus ao discipulado tem a finalidade de entrar no Reino. Mas o que é o Reino de Deus? Os Evangelhos não nos dizem claramente o que é o Reino de Deus. Para explicá-lo, Jesus faz muitas comparações por meio de parábolas (cf. Mc 4,26-33). Durante a sua missão de anunciá-lo, o Reino permanece como mistério (cf. Mc 4,11), onde todos são chamados a descobri-lo na caminhada com Jesus.
- É mais fácil um camelo passar pelo buraco de uma agulha...: Jesus costuma responder às perguntas que lhe fazem ora com outras perguntas, ou então, com comparações, e, pasmem, muito exageradas (cf. Mt 8,21; Mc 9,42). Que expressão difícil essa de Jesus! Como poderia um camelo, animal tão grande, passar pelo buraco de uma agulha, objeto tão pequeno? Muito já se disse a respeito dessa expressão, tentando esclarecê-la, mas parece que a intenção de Jesus é mesmo a de causar espanto, levar o ouvinte a pensar sobre a riqueza, que pode tornar-se empecilho para se conseguir adentrar e fazer parte do Reino de Deus. Os orientais, de um modo geral, apresentam costumes bem diferentes dos nossos, os ocidentais. Essa expressão de Jesus é muito comum entre seu povo, trata-se de uma hipérbole. Faz-se uma comparação exagerada com algo próprio da vida para falar de uma grande verdade, um grande ensinamento, onde o discípulo é convidado a refletir e a tirar as suas próprias conclusões. Para entrar no Reino de Deus, é preciso tornar-se pequeno! Ora, no buraco de uma agulha só passa um fio de linha para se fazer uma boa costura ou um belo bordado.
- Jesus olhou para ele com amor... e Jesus então olhou ao redor: Quando Jesus olha para o rico, que se dirige a ele e lhe pergunta: "Bom Mestre, que devo fazer para ganhar a vida eterna?", seu olhar é de amor. Mas quando Ele dirige um ensinamento importante, antes "olha ao redor". O olhar de Jesus descrito por Marcos é uma peculiaridade do seu Evangelho. Esse olhar de Jesus é o verbo grego peri-blepoma, significa "olhar tudo ao redor". Esse verbo aparece cinco vezes no Evangelho de Marcos (3,34; 5,32; 9,8; 10,23; 11,11). É preciso olhar as pessoas, as situações da vida com o olhar de Jesus, ora com amor e, muitas vezes, "olhar ao seu redor", ver a realidade. Este olhar revela o que não é visto ou o que não se quer enxergar, pois "ver" implica em vivenciar novas atitudes, assumir responsabilidades, tomar decisões, mudar de vida.
- Para os homens, isso é impossível, mas não para Deus. Para Deus tudo é possível: Essa expressão de Jesus revela a grandeza e a gratuidade de Deus, que só pode ser bom. A bondade de Deus supera qualquer ação humana! Ele tomou a iniciativa de vir ao nosso encontro (cf. 1Jo 4,10). O próprio Cristo despojou-se de sua condição divina e assumiu a forma humana (cf. Fl 2,6-8), entregou-se por amor para salvar e dar a vida eterna.
- Eis que nós deixamos tudo e te seguimos: "Renunciar e ter mais, perder para ganhar" (diz uma canção) é a proposta de Jesus às pessoas a quem dirige o seu chamado. Ao Deus que se revela e chama, ensina o Concílio Vaticano II, o homem presta um obséquio pleno do intelecto e da vontade dando uma resposta de fé (cf. Dei Verbum, 6). É a vocação livremente aceita para o serviço em favor do seu Reino. Não dá para levar bagagem volumosa nessa caminhada com Jesus. Precisa ser fininha como uma linha para entrar no buraco da agulha e deixar-se ser conduzido por mãos que fazem um belo e duradouro trabalho. No seguimento de Cristo, é necessário converte-se e assumir a sua missão de anunciar o Evangelho, tornar-se discípulo missionário com o olhar e a atitude do Mestre.
- Agora o cêntuplo e com perseguições, e, no futuro, a vida eterna: A recompensa para quem faz a opção fundamental pelo seguimento de Cristo será a vida eterna, é para o futuro. Durante a caminhada, Jesus promete que nesta vida receberá cem vezes mais os que deixaram tudo para segui-lo. Mas garante também que são certas as perseguições, pois dar testemunho de Cristo e anunciar o seu Evangelho poderá incomodar todo e qualquer sistema opressor que domina e massacra uma sociedade. É certo que na caminhada com Jesus haverá cruz. Mas o Evangelho precisa ser proclamado! (cf. Mc 13,10). De fato, se observarmos bem, é o que acontece ainda hoje. Basta ver quantos mártires no mundo, o quanto a Igreja, que é uma grande família, sofre perseguições por causa de Cristo e do Evangelho, anunciando a todos os povos e nações. No entanto, fica a certeza de que a cruz passa e a vida eterna permanece (cf. Hb 12,1-4; Jo 16,33b). A vida eterna ainda prevalece como um prêmio almejado por todos aqueles que aceitam o chamado de Jesus (cf. Rm 8,18), pois se trata de um tesouro no céu (cf. Mt 7,19-21)!
Hoje somos convidados a nos despojarmos de nossas riquezas para que estas não se tornem empecilho para nossa salvação, mas, antes, sejam partilhadas com os mais pobres, que "são os destinatários privilegiados do Evangelho" (Evangelii Gaudium, 48). O Papa Francisco ensina a dizer não à nova idolatria do dinheiro: "O dinheiro deve servir, e não governar!". E ainda lembra a todos que "os ricos devem ajudar os pobres, respeitá-los e promovê-los" (EG 48). Seguimento é desprendimento e então temos também a recompensa. Na caminhada com o Mestre Jesus, a atenção do discípulo, que são os pobres, marginalizados, serão aqueles que, como o Mestre, conduzirão o rebanho de Cristo; sendo assim, serão os primeiros, irão à frente dando testemunho, mas sem se esquecer de que o primeiro, o "maior", é aquele que serve o irmão (cf. Mc 10,44). O Papa Francisco nos alerta: "O mundo nos diz para buscar o sucesso, o poder e o dinheiro. Deus nos diz para buscar a humildade, o serviço e o amor".
Padre Antonio José de Almeida. O Pão Nosso de Cada Dia: Subsídio Litúrgico-Catequético Diário. Ano XIX, nr. 226 - Ano B (Marcos), 2024 (A Semente na Terra), p. 52-54.
Crédito da imagem: Movimento de Vida Cristã.
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