Homilia do 28° Domingo do Tempo Comum - Ano B (São Marcos) - 2024
A liturgia deste 28º Domingo do Tempo Comum é um convite a toda a comunidade para refletir sobre as escolhas que cada um de nós faz. Também nos anima e exorta a não estarmos conformados com os valores perecíveis, tanto os materiais quanto os espirituais. Tais valores não saciam nossa fome de infinito e muito menos sacia a nossa fome de vida. As leituras nos encorajam a abraçar os valores eternos, que trazem alegria e paz e dão significado completo à nossa existência.
LITURGIA DA PALAVRA
1ª Leitura: Sb 7,7-11
Salmo Resposorial: Sl 89(90),12-13.14-15.16-17 (R. cf. 14)
2ª Leitura: Hb 4,12-13 ou mais breve 10,17-27
Evangelho: Mc 10,17-30
A primeira leitura apresenta-nos um sábio de Israel que exalta a Sabedoria, que é um dom de Deus. Esse sábio faz a nós um convite: de fazer da Sabedoria aquilo a ser mais amado, até mais que a beleza. A Sabedoria é maior que todo valor, seja ele material, seja ele espiritual. É a Sabedoria que dá a base para que possamos construir nossa vida e, mais ainda, dar sentido a ela.
O Livro da Sabedoria é o livro mais novo presente no Antigo Testamento. Alguns estudiosos alegam que ele tenha sido escrito por volta do século I a.C., em língua grega. Por esse motivo é que o Livro da Sabedoria não integra os livros da Bíblia judaica, ainda que seu autor tenha sido um judeu culto, mas que, certamente, nasceu e foi educado na Diáspora.
Portanto, foi na Diáspora que o sábio autor do Livro da Sabedoria procurou defender aqueles valores e a cultura de seu povo. O intuito do autor mostra duplicado: dirigir-se aos compatriotas judeus - que estavam mergulhados no paganismo, na idolatria e na imoralidade -; e exortá-los a redescobrirem a fé dos pais, bem como os valores de sua própria cultura. Faz também um apelo ao pagãos, convidando-os a perceber os absurdos da idolatria e se esforçarem na busca de uma adesão verdadeira a Jabé, o único e verdadeiro Deus. Portanto, só Javé é quem garante a verdadeira Sabedoria e a verdadeira felicidade.
O “sábio” que compartilha sua experiência de vida, tinha bastante certeza de como era a hierarquia dos valores. Ele sabia muito bem aquilo que era prioritário e aquilo que era secundário. Também tinha ciência daquilo que o ajudaria a definir bem qual era a sua missão e o que não seria fundamental em sua vida e que não faria sentido. Fica a nós, então, um questionamento: nós que vivemos em uma sociedade cada vez tecnocrática, cada vez mais "líquida" e fluida, cheia de vertinosas mudanças, de um forte relativismo de valores, sem certezas consolidadas, temos bem definido em nossa mente quais seriam nossos valores prioritários? Sob quais valores queremos construir a nossa vida e a nossa história?
A Carta aos Hebreus, presente na segunda leitura, é, para nós, um convite a escutar e acolher a Palavra de Deus: fonte da Sabedoria que alicerça nossas escolhas. A Palavra de Deus é viva, é eficaz, é atuante em nossa vida, incomoda, faz pensar e decidir trilhar um caminho com o Senhor. Uma vez que acolhemos a Palavra de Deus em nossa vida, ela nos ajuda em nossa conversão, em nossa busca de transformação, renovando-nos e contribuindo em nosso discernimento entre o bem e o mal, e a fazer escolhas corretas, indicando-nos o caminho certo para alcançar-mos a vida plena e definitiva.
A Carta aos Hebreus não é uma carta tradicional, pois assemelha-se a um sermão destinado a ser lido nas assembleias da época. Ainda que hoje muitos dos estudiosos não a atribuam mais a São Paulo, muitos chegam a um consenso de que, certamente, tenha sido escrita por um de seus discípulos. A maioria dos estudiosos acredita que ela tenha sido redigida antes do ano 70 da era Cristã, antes da destruição do Tempo de Jerusalém pelos romanos, uma vez que o autor fala da liturgia do Templo como uma realidade presente e atual. Ainda que a tradição cite que seja uma carta aos "hebreus" como destinatários da carta, não há muita certeza se ela se destina às comunidades cristãs de origem judaica. O que é fato é que os destinatários desta carta são cristãos que vivem em difícil situação, em um ambiente hostil à fé cristã. Daí o objetivo do autor em fortalecer a comunidade através da vivência do compromisso cristão, ajudando-os a crescer na fé.
Cristo, encarnado na história e em nossa humanidade, é Palavra ecoada no mundo. Através dessa Palavra, que não é jamais um amontoado de frases vazias, estéreis e vagas, é Palavra viva, transformadora, porque traz consigo a força de Deus. A Palavra atua sobre nossos sentimentos e nossos pensamentos, uma vez que seja escutada e entre em nosso coração.
Nos tempos de hoje, muitas são as palavras que escutamos. Elas vêm dos mais variados meios e também penetram nossos ouvidos e caem em nossos corações. Isso cria muitos ruídos que causam muita confusão, banalizando o poder da palavra, o que pode facilitar nossa busca por algo mais verdadeiro e substancial, fundamental: a Palavra de Deus, que é a que traz a verdadeira alegria, que traz as verdadeiras realizações, e que nos sacia verdadeiramente. Fica-nos alguns questionamentos: em meio a esse imenso mar de palavras e de barulhos, qual o lugar que a Palavra de Deus ocupa em nossos ouvidos, em nossas vidas? A Palavra de Deus é algo determinante, primordial em nossas decisões e no sentido da nossa vida, ou torna-se apenas "mas uma palavra" entre tantas? Na correria que os nossos dias exigem cada vez mais de nós, como está o nosso tempo dedicado à escuta da Palavra de Deus?
Por fim, o Evangelho de hoje apresenta-nos um homem de boa vontade que questiona Jesus sobre o caminho que leva à vida eterna. Jesus apresenta a ele, e a nós todos também, um verdadeiro itinerário. Convida aquele homem e a cada um de nós a despojar-nos dos bens materiais e também espirituais que nos aprisionam, fecham nosso coração à solidariedade, à partilha. Convida-nos a percorrer com Ele um caminho de amor, um caminho que só é possível percorrer por aqueles que se doam, que não estão presos aos bens.
Certamente, a crítica de Jesus não é em buscar conforto. É bom que possamos desfrutar do fruto do nosso esforço e do nosso trabalho, seja ele de ordem material ou espiritual. Temos o direito de querer para nós e para nossa família o melhor. Nossos esforços para adquirir aquele doutorado, conquistar tantas realizações, não são ruins em si. Entretanto, precisa existir em nós, baseados no discernimento que a Sabedoria nos proporciona através da Palavra de Deu, um discernimento de que as coisas são para nós e não nós para as coisas.
Ainda que Jesus seja bastante hiperbólico ao comparar a dificuldade de um rico entrar no Reino de Deus com a facilidade de se colocar um camelo passando pelo fundo de uma agulha - humanamente impossível, mas divinamente possível - não significa que o Reino esteja totalmente fechado aos ricos. O acesso ao Reino está fechado a todo aquele que, dentro de suas conquistas na área dos estudos, ou da profissão, ou seja lá qual a área, acaba por desfazer-se dos menos afortunados. Isso vale também para aqueles que não são ricos materialmente, mas que apresentam uma arrogância por ter tido acesso àquilo que muitos não puderam ter.
O grande ensinamento de Jesus para nós é a de que precisamos estar preparados. Para estarmos preparados, é preciso estar livres. Os apegos nos escravizam.
A triste história do homem que pede a Jesus qual o caminho para se "herdar" a vida eterna não pode ser também nossa. A vida eterna não é herança, ela é árduo caminhar, assim como nossa busca pela santidade, que exige um caminho de conversão. Ninguém caminha dando passos que não pode. Deixar tudo para seguir Jesus não é tristeza, mas plena alegria, porque nos liberta dos nossos apegos, abre os nossos ouvidos à Palavra de Deus e traz para nós a Sabedoria, que vai ajudando-nos a discernir o nosso caminho rumo à santidade. Sabedoria que vai nos ajudando a identificar aquilo em que, na minha vida, precisa ser melhorado.
Como verdadeiros cristãos, sejamos conduzidos pelo Senhor, por sua Palavra, por sua Sabedoria. Os bens desta vida passam, mas aquilo que vem de Deus é para toda uma vida: a vida eterna!
Padre Anderson Rodrigo.
Crédito da imagem: Arautos do Evangelho.
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