Homilia do 29° Domingo do Tempo Comum - Ano B (São Marcos) - 2024
Celebramos neste 29° Domingo do Tempo comum a vocação de discípulos a um serviço eclesial. O 29° Domingo do Tempo Comum, neste Ano B, continua com a catequese de Jesus que tem como objetivo a formação dos discípulos quanto os valores do Reno de Deus.
1ª LEITURA: Is 53,10-11;
SALMO RESPONSORIAL: Sl 32(33),4-5.18-19.20-22 (R.: 22);
2ª LEITURA: Hb 4,14-16;
EVANGELHO: Mc 10,35-45 (mais longo) ou Mc 10,42-45 (mais breve)
As leituras deste final de semana reafirmam nosso compromisso com o serviço uns aos outros e com a doação de si mesmos como sendo algo primordial na missão de Jesus. O que acaba se tornando exigência e uma urgência indispensável para todos os cristãos.
Nesse sentido, na primeira leitura, acompanhamos a apresentação do profeta Isaías de um misterioso "Servo de Deus". No pensamento e na lógica apresentada por Isaías, este servo é alguém insignificante e rejeitado, que possui uma vida cheia de sofrimento. Isaías não nos coloca que o sofrimento seja algo fácil e que deva ser desejado, mas procura fazer-nos entender que sofrer pelo outro, ajudando-o a carregar suas aflições e angústias, torna-se um exemplo de serviço e de doação, como é possível perceber na própria vida de Jesus.
Parece algo contraditório, mas encaixa-se com aquele paradoxo de São Paulo que diz: "Pois quando sou fraco, então é que sou forte" (2Cor 12,10). Aquilo que, aos olhos do mundo parece ser loucura, Deus escolheu para que os sábios pudessem se envergonhar. A própria cruz, sinal de escândalo e de humilhação suprema para o mundo da época, torna-se, para nós, sinal de redenção, de salvação. Ensina-nos que os espinhos existem e que somos capazes de retirá-los da nossa vida, do nosso caminho.
O "Servo" apresentado por Isaías torna-se o protótipo para os cristãos. Mostra-nos que nossa força não vem de nós mesmo, ela vem do Senhor. E que, enquanto nesta vida, sempre iremos caminhar em meio a espinhos e encontrar diversas pedras e pedregulhos, mas que não nos deixemos desanimar quando encontramos estes obstáculos. Como homens e mulheres muito amados por Deus, precisamos enfrentar esses desafios e, com ânimo, retirá-los do nosso caminho.
Já a segunda leitura fala-nos da intimidade que Deus tem com o gênero humano, de seu imenso amor por cada um de nós. Amor esse que faz com que Deus saia de sua imensidão, de sua infinitude, para entrar na nossa limitação, na nossa finitude. É Deus fazendo o impossível aos olhos humanos, tornando tudo possível em sua condição divina. Deus abarca e abraça nossa humanidade, partilha da nossa fragilidade, pois quer fazer com que participemos de sua condição divina.
Através de Jesus, Deus, sendo rico em grandeza e tantos atributos, não ostenta seu poder onipotente, mas, ao assumir nossa humanidade, passa também pelos nossos sofrimentos e até mesmo pela morte. Deus transcende até mesmo o significado do serviço, da doação, da misericórdia e da compaixão. Nesse sentido, Deus, através de seu Filho, Nosso Senhor, continua a convidar a cada filho e filha para fazer parte de sua vida, sendo Ele mesmo um contínuo sacrifício de amor e de entrega por toda o gênero humano.
Através do Evangelho, continuamos a percorrer, juntamente com Jesus e seus discípulos, o caminho que leva a Jerusalém. João e Tiago, que sempre estão presentes nos relatos dos mais próximos do Senhor, pedem para si o privilégio de cada qual se sentar ao lado de Jesus em sua glória. Esse tipo de reivindicação gera um mal estar e raiva nos demais. Isso demonstra que, não só Tiago e João, todos os discípulos ainda não fizeram a experiência total com o Senhor. Ainda não estão preparados e também não compreenderam o que se passa no coração do Mestre. Em seu íntimo, os discípulos não aceitam um Mestre que se entregará aos suplícios, que sofrerá pela humanidade. Eles ainda alimentam uma visão de um Reino de Deus triunfante, visão esta cheia de expectativas acerca de um Messias que fosse glorioso, violento, autoritário.
E, quebrando toda essa lógica presente na cabeça dos discípulos, Jesus faz um convite para que não usem o Reino de Deus como algo para alcançar suas expectativas e seus sonhos, muito menos seus planos pessoais e ambições. Ao falar do batismo como início de missão e do cálice como símbolo de sua paixão, Jesus faz com que todos compreendam que, para que Ele possa permanecer como ideal de um messias glorioso, é necessário que todos o acompanhem em todos os momentos de sua missão: desde a experiência no monte da Transfiguração, até sua doação total na cruz.
Não é errado ter o desejo de algo grande, de buscar melhorar as condições, mas é preciso estar vigilante se essa atitude nossa não está gerando rivalidades e divisões dentro da comunidade. O grande problema é colocarmos nossos projetos pessoais acima daquilo que é o plano de Deus. Ao invés da prática da humildade, expressamos mais arrogância. Como cristãos, precisamos estar atentos para que cada decisão nossa seja decisão de acolher o discipulado de Jesus, assumindo, com isso, também as consequências dessa atitude. Essa responsabilidade assumida não pode depender de promessas e nem de recompensas. Precisa ser assumida e desenvolvida na gratuidade.
Podemos até repreender a atitude de João e Tiago. Entretanto, precisamos estar atentos e vigilantes se, porventura, não estamos também nós revestidos de um certo "autoritarismo" ao estarmos à frente de uma pastoral, de um movimento, de um ministério. Nosso objetivo, seja em qual for o setor da nossa vida e da nossa caminhada na comunidade, é o Cristo. Se meu ministério, se minha pastoral e meu movimento não levam a Cristo, alguma coisa está errada.
Ao gerarmos divisão ao invés de união, acabamos nos esquecendo que, para que o Reino frutifique, temos que nos afastar daquilo que é vão. O poder é realmente sedutor e tentador. E nossa autoridade precisa estar revestida de serviço. Precisa reconhecer que temos capacidades, mas que o irmão tem. Reconhecer que o irmão tem limitações, mas que nós também temos as nossas.
Cada um de nós tem a vocação, é chamado a seguir Jesus. Como discípulos que hoje somos, precisamos configurar nossas atitudes às atitudes de Jesus, que veio para servir e para dar a vida por todos, não só para mim ou minha pastoral, ou meu ministério ou meu movimento.
Não pode existir dentro da comunidade quem seja o dono ou a dona das coisas, nem superiores e nem inferiores, não deve existir chefe e subordinado, nenhum grau de distinção nem de honra e nem em dignidade. Aquele que tem responsabilidade maior deve ter também um serviço maior, procurando se destacar pelo serviço humilde e generoso.
O restante torna-se apenas um desfile de egos, fortemente marcado pelo narcisismo, pelo oportunismo e pelo exibicionismo. Esse tipo de problema não está somente presente nos "corredores" da Cúria Romana, mas entre nós. Muito mais perto que possamos imaginar, quem sabe até mesmo dentro de nós?
Crédito da imagem: Milícia da Imaculada.
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