"Quem quiser ser grande, seja vosso servo"
O Arcebispo de Modena-Nonantola, na Itália, Dom Erio Castellucci, faz um belíssima meditação acerca do tema central do Evangelho deste 29° Domingo do Tempo Comum: "Mas, entre vós, não deve ser assim: quem quiser ser grande, seja vosso servo".
O apelido, em geral, capta um lado que mostra algo do caráter de uma pessoa, ou sublinha um defeito, ou, simplesmente, deturpa o nome ou o sobrenome. Não sabemos o motivo pelo qual Jesus dá a Tiago e João, os dois filhos de Zebedeu, o apelido de "filhos do trovão" (cf. Mc 3,17). Mas, lendo o Evangelho de hoje - Mc 10,35-45 -, vem a suspeita de que isso esteja ligado à ousadia quase descarada com que dão ordens a Jesus para tirar vantagens:
"Mestre, queremos que faças por nós o que vamos pedir". Não dizem: "quereríamos", mas "queremos". Pelo menos fosse uma ordem em benefício de todos, mas é somente em benefício deles próprios: "queremos que faças por nós".
É preciso certo descaramento, depois que Jesus já tinha indicado o caminho para segui-lo no compromisso, na cruz, na humildade, no abaixamento. Os dois irmãos, ao contrário, sonham com "momentos de glória" só para eles. Um pai, diante de filhos que usam este tipo de tom, responde talvez com o provérbio:
"A erva daninha 'quero' cresce só no jardim do rei"; ou pelo menos pede que se apresente: "Por favor".
Jesus, ao contrário, dá corda aos dois discípulos, retomando as próprias palavras deles: "O que quereis que eu vos faça?". Não lhe interessa agora recriminá-los, mas educar o seu desejo de grandeza. Porque se trata exatamente de aparecer, de ser os primeiros: "Deixa-nos [...]". Entendem que Jesus visualiza uma glória, mesmo que tenham censurado o caminho para alcançá-la, a cruz, e estejam pensando no pódio: no primeiro lugar, obviamente Jesus, mas, depois, eles dois, um à direita e outro à esquerda. E os outros dez debaixo deles, fora do pódio, aos seus pés.
Jesus confirma que a meta final é a glória, mas recorda que esta passa pelo sacrifício: "Por acaso podeis beber o cálice que eu vou beber? Podeis ser batizados com o batismo que vou ser batizado?". A resposta dos dois passa perto da desfaçatez: "Podemos". Não sabem o que estão falando, são impulsivos, "filhos do trovão", isso mesmo.
Nem desta vez Jesus se altera; e preanuncia aos dois irmãos o futuro sacrifício deles. Tiago, de fato, dali a quinze anos será morto por Herodes (cf. At 12,2) e será o primeiro mártir entre os apóstolos; enquanto João morrerá meio século depois, passando também ele pela tribulação (cf. Ap 1,9). Mas, a este ponto do discurso, se alarga a todos, e Jesus - como verdadeiro mestre - aproveita o desejo de grandeza dos dois para admoestar os outros.
Concentrando tantas páginas de história, recorda que os poderosos do mundo frequentemente dominam e oprimem. Até aqui, nada de novo: os discípulos, como todos os hebreus, sentiam sobre os ombros o peso da opressão dos romanos e sabiam que, antes deles, haviam estado os macedônios, e antes os persas, e antes os babilônios, e, indo atrás no tempo, tinha sido os assírios, os egípcios, e por aí vai. A história de Israel, como a história de tantos povos, com frequência é marcada por violência e opressão.
A coisa nova dita por Jesus é outra: "Entre vós", Jesus virou de cabeça para baixo o sentido da autoridade. Jesus não nega o poder em si: sabe bem que em toda relação humana há uma dose de poder, quer se trate de relações familiares, laborais, escolares, sociais, políticas, eclesiais... porque o poder não é senão exercício da autoridade. O problema não é o poder, mas o modo de exercer o poder, o estilo com o qual se exprime a autoridade. Aqui tudo muda: "Quem quiser". Sobre o pódio de Jesus não deve subir quem exerce autoridade, mas quem recebe os seus benefícios; os poderosos e os chefes não devem pôr os outros aos seus pés, mas colocar-se eles aos pés dos outros. Jesus diz que "ele não veio para ser servido, mas para servir e dar a vida como resgate para muitos", e pede que os discípulos o imitem.
Para deixar mais claro, na Última Ceia, fará o papel de escravo e lavará os pés dos seus discípulos; ele, o Filho do Deus altíssimo, ao invés de colocar as pessoas aos seus pés, se coloca aos pés das pessoas. Assim, Jesus vira de cabeça para baixo antes de tudo a ideia de Deus: entre os gregos e os romanos, os deuses eram tanto mais importantes quanto mais poderosos; e os hebreus chamavam Deus de Altíssimo para sublinhar a sua grandeza. Jesus, ao contrário, mostra o rosto de um Deus cujo poder é o do amor e da partilha: um Deus que caminha pelos caminhos dos seres humanos. Mas Jesus vida de cabeça para baixo também a ideia do ser humano. "Entre vós, não deve ser assim: quem quiser ser grande, seja o vosso servo; e quem quiser ser o primeiro, seja o escravo de todos" é uma das frases mais icônicas do evangelho: entre vós que tentes autoridade, o poder não deve se tornar um pódio, um meio para mandar e desmandar, para enriquecer-vos tirando proveito da vossa posição, para colocar aos vossos pés os que deveríeis servir, uma corrida em busca de honras e de títulos.
Se o próprio Filho de Deus, o Onipotente, como servidor do ser humano, fica claro que não podemos considerar-nos patrões de ninguém; é difícil, porque somos todos "filhos do trovão", mas, se vivemos uma relação verdadeira com o Senhor, não podemos senão imitá-lo no serviço.
Dom Erio Castellucci. In: O Pão Nosso de Cada Dia: Subsídio Litúrgico Catequético Diário. Ano XIX - nr. 226. Outubro de 2024 - Ano B (Marcos), p. 80 - 81.
Crédito da foto de Dom Erio: Wikipedia.
Crédito da imagem (Jesus e o Lava-Pés): Diocese de Sete Lagoas (MG).
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