Os Números e seu Simbolismo nas Sagradas Escrituras
O Evangelho da liturgia da Solenidade de Nossa Senhora Aparecida é tirado de João, que traz bastante simbolismos em sua narração. Dentre os diversos simbolismos bíblicos, está o que se refere aos números. Eles são usados como forma de auxiliar na pedagogia da História da Salvação.
Os livros presentes nas Sagradas Escrituras apresentam gêneros literários, da mesma maneira que os livros comerciais. Dentre os gêneros literários presentes nas Sagradas Escrituras, destacamos a Literatura Profética, a Literatura Sapiencial, a Literatura Apocalíptica e tantas outras.
A Literatura Apocalíptica é um gênero literário bastante presente e difundido no judaísmo entre os anos 200 a.C. e 200 d.C. A literatura apocalíptica tem, como uma de suas características, usar-se de números como forma de simbolizar alguns aspectos da mensagem, tornando-a um tanto quanto codificada.
O objetivo deste artigo é, justamente, apresentar alguns aspectos da simbologia presente nos números utilizados nas Sagradas Escrituras.
NÚMERO 70 (SETENTA)
Assim como todos os números multiplicados pelo número 10 (dez) ou pelo 1000 (mil), o número 70 faz referência a uma plenitude. No caso do número 70, ele é fruto da multiplicação do número 7 (sete), que faz referência à perfeição, com o número 10. O número 70 é também o total de livros presentes na coleção do Antigo Testamento traduzidos para o grego. Quando os judeus que foram para o exílio que falavam grego e não compreendiam mais o texto hebraico do Antigo Testamento, estes foram traduzidos, no século III a.C., para a língua grega, em Alexandria: primeiro, a Torá (os cinco primeiros livros do Antigo Testamento) e, aos poucos, também os demais livros canônicos. No judaísmo, a "Setenta" (ou "Septuaginta") possuía grande consideração e foi amplamente difundida; mas, no século II d.C., ela foi substituída por numerosas traduções, quando, então, a Igreja assumiu a "Setenta", formulando seus dogmas baseando-se nela. A importância da "Setenta" está no fato de que ela tornou o Antigo Testamento acessível ao mundo cultural greco helenístico, o que tornou o caminho bem mais plano para a missão da Igreja.
O número 70, como sabemos, é resultado da multiplicação do 10 e do 7, caracterizando a plenitude e a perfeição. Nesse sentido, Gn 11 menciona 70 povos presentes na Terra; Jacó teve 70 descendentes (cf. Gn 46,27; Ex 1.5); o número dos anciãos que representavam Israel perante Iahweh era de 70 (cf. Ex 24,1.9-11); o número dos israelitas que, junto com Moisés, carregaram o peso do povo (cf. Nm 11,6s); o exílio na Babilônia durou 70 anos (cf. Jr 25,11ss; 29,10); bem como foram 70 anos a duração do julgamento de Tiro (cf. Jr 23,12ss); também em Daniel 9,24-27, há a indicação de um lapso de tempo de setenta semanas; também o Sinédrio contava com 70 membros, contando presidente.
O número 72 também aparece como indicação da perfeição, uma vez que Jesus envia 72 discípulos à sua frente.
Por fim, o 70x7 que significa a ilimitada disponibilidade do ser humano em sua abertura ao perdão. Disponibilidade essa pedida pelo Senhor aos seus discípulos (cf. Mt 18,22).
NÚMERO 7 (SETE)
Como já acenamos acima, o número 7 faz alusão à perfeição. Tanto no Antigo Testamento quanto no Oriente antigo, o número "sete" expressa simbolicamente uma totalidade em sua perfeição, sendo usado, particularmente, para medir as estruturas tanto de realidades quanto de processos terrenos. A criação concretizou-se em sete dias (cf. Gn 1,1-2,4). O sétimo dia - o sábado (cf. Ex 20,10; 23,12) - e o sétimo ano - conhecido como o ano sabático (cf. Ex 23,11) - organizavam o trabalho e o culto. Nos calendários festivos de Israel, predomina o número sete (cf. Ex 12,15; Lv 25,4ss; Dt 15,1; 1Rs 8,65), bem como o ritual (cf. Lv 4,6-17; 2Rs 5,10; Jó 42,8) e, por fim, os paramentos para o culto (cf. Ex 25,31ss; Nm 23,1ss).
Por sete vezes se dá a vingança (cf. Gn 4,15.24; Sl 79,12; Pr 6,31) e por sete vezes também se dá o perdão (cf. Mt 18,21; Lc 17,4). Essa questão do perdoar sete vezes é referenciada na pergunta que Pedro faz ao Senhor: "Senhor, quantas vezes devo perdoar, se meu irmão pecar contra mim? Até sete vezes?" (Mt 18,21-23), justamente porque, dentro do pensamento judaico, era o número máximo (sete) de vezes que alguém poderia ser perdoado. Também se deve invocar o Senhor por sete vezes no dia (cf. Sl 119,164). E o Evangelho de João narra que são sete os sinais prodigiosos de Jesus e também são sete os auto testemunhos introduzidos pela expressão "Eu Sou", que remete ao nome de Deus no Antigo Testamento. No livro do Apocalipse, o número sete é particularmente significativo (cf. Ap 1,4.20; 5,1.6; 8,2; 10,3ss; 12,3).
NÚMERO 12 (DOZE)
A exemplo do número 10 e múltiplos de 10 e 1000, o número doze (12) também apresenta significado de plenitude. Pode ser que isso se dê pelo fato de o ano ser dividido em 12 meses, mas também faz referência tanto às 12 tribos de Israel (cf. Gn 49; Nm 26,5-51) quanto aos 12 apóstolos, chamados tão simplesmente por "os Doze" (cf. Mc 3,14ss; 1Cor 15,5).
Na cena da multiplicação dos pães, sobraram 12 cestos (cf. Mt 14,20); ou seja, sobrou um pão para cada tribo, um pão para cada mês, um para cada apóstolo. Por vezes, o 12 aparece como um número redondo para uma realidade mais consistente (cf. Mt 14,20; Mc 5,25; At 19,7). Os chamados "prosélitos", judeus presentes em Jerusalém para a Festa de Pentecostes, pertenciam também aos 12 povos, formando a totalidade das "nações conhecidas" na época. Esses mesmos prosélitos é que estarão presentes no dia em que o Espírito Santo desceu como "vento impetuoso" sobre os discípulos reunidos no mesmo lugar com medo dos judeus (cf. At 2,1-11).
No livro do Apocalipse, a Nova Jerusalém, vista por São João, tinha 12 portas: três para cada ponto cardeal, tendo 12 anjos sentados sobre as 12 portas. Nessas 12 portas também encontram-se escritos os nomes das 12 tribos de Israel. A muralha da cidade tinha 12 alicerces, nos quais estavam escritos os 12 nomes dos apóstolos do Cordeiro (cf. Ap 21,9-14; Ex 48,31-35).
NÚMERO 3 (TRÊS)
É aquilo que existe de melhor, de mais puro, da perfeição, que é o número 7 (sete). É a perfeição do desenvolvimento pleno da essência, da totalidade em si mesma. É um número sagrado para muitos povos. Frequentemente, encontramos tríades de divindades cósmicas em diversas religiões.
Tanto o Antigo quanto o Novo Testamento apresentam com frequência os motivos da utilização do número três:
1) Três dias e três noites, significando um tempo limitado de desgraça e de espera; após três dias (ou no terceiro dia), irrompe um tempo novo de salvação, de destino definitivo (cf. Gn 40,10-19; Os 6,2; Gn 2,1; Mt 12,40; 1Cor 15,4);
2) Tríplice perfeita, através da qual determinadas ações significativas experimentam o maior incremento possível, passando do período de maldição (cf. Gn 9,25-27) para o de bênção (cf. Nm 6,24-26; 24,10);
3) Situações decisivas, nas quais aparecem 3 pessoas: Sem, Cam e Jafet (cf. Gn 9,18ss); os 3 homens que vão à casa de Abraão (cf. Gn 18,2); Os 3 amigos de Jó; os 3 jovens na fornalha ardente (cf. Dn 3); os 3 magos (cf. Mt 2); os 3 discípulos mais próximos de Jesus (cf. Mt. 17,1); as 3 mulheres de nome Maria (cf. Jo 19,25); o batismo realizado no nome das 3 pessoas da Santíssima Trindade - Pai, Filho e Espírito Santo - (cf. Mt 28,19).
NÚMERO 2 (DOIS)
Em geral, nas Sagradas Escrituras, significa "alguns" (cf. Nm 9,22; Mt 18,20). Significa contraste (por exemplo: céu - terra, luz - trevas), bem como a perfeição (por exemplo: duas tábuas da Lei, duas testemunhas, os discípulos enviados dois em dois), dois são os discípulos que deixam Jerusalém e caminham para Emaús.
NÚMERO 1 (UM)
Indica a unicidade de Deus: IAHWEH é o único Deus (cf. Is 40-55). Sendo único, IAHWEH é, ao mesmo tempo, um. Isso dá uma certa diferenciação quanto aos deuses dos povos vizinhos, indicando que IAHWEH não compartilha a essência e nem o poder dos deus estrangeiros. Ele não se iguala a uma "deusa" e nem à corte celeste dos "filhos dos deuses", muito menos com o cosmos.
Ele é único, de substância indivisa, e exige o amor e o serviço do ser humano em sua integridade (cf. Dt 6,4-7). Esta fé, presente no Antigo Testamento - e que denominamos "veterotestamentária" - alicerçada no poder e na plenitude da vida deste único Deus apresenta uma nova dimensão na mensagem do Novo Testamento - denominada neotestamentária - de um Deus que é indivisível, que é uno e trino.
No Novo Testamento, o número 1 também apresenta-se de forma a significar que, "este um" (Pedro), desempenha uma importância peculiar, ocupa um lugar e realiza uma função especial dentro do grupo formado pelo Doze (12), concretizada através da profissão de fé petrina (cf. Mt 16,13-19; Mc 8,27-30; Lc 9,18-21) e de sua autoridade nos primeiros passos da Igreja (cf. At 1-12.15).
NÚMERO 6 (SEIS)
Se o número 7 indica a perfeição, o seu antecessor significa a imperfeição. Nesse contexto, quando no livro do Apocalipse São João apresenta o número da besta como sendo o 666, explicita que é a imperfeição tentando ser perfeição. Ainda mais: na potência de uma tríade - número 3 - a pretensão de ser o mais puro, o melhor que existe, porém, naquilo que é imperfeito.
Autoria: Padre Anderson Rodrigo.
Referência Bibliográfica: MACKENZIE, John L. et al. Dicionário Bíblico. São Paulo, Edições Paulinas, 1983.
Formações, Teologia Bíblica, Literatura Apocalíptica
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